É comum, no ciclo natural de qualquer negócio, que sócios se retirem, novas pessoas entrem e a estrutura societária seja reorganizada. Mas o que poucos empresários sabem é que, mesmo após a saída formal do quadro societário, um ex-sócio ainda pode ser cobrado judicialmente em processos trabalhistas (também chamado de "sócio retirante").
O problema se agrava quando uma execução de sentença surpreende a empresa, e o sócio que já se desligou há anos é incluído no polo passivo da ação. Consequentemente, isso gera insegurança, conflitos internos e riscos patrimoniais indesejados.
A boa notícia é que a lei brasileira impõe limites à responsabilidade do sócio retirante. Neste artigo, vamos explicar como funciona essa responsabilização, quando ela é legalmente possível e o que você pode fazer para proteger seu negócio e seus ex-sócios de execuções indevidas.
A Reforma Trabalhista de 2017 inseriu o artigo 10-A na CLT, que regula expressamente a responsabilidade de sócios que se desligam da sociedade. Segundo a regra:
Além disso, só poderá haver responsabilidade solidária do ex-sócio em caso de fraude comprovada na sua saída da sociedade. Ou seja, a simples inadimplência da empresa ou sua dissolução posterior não bastam para responsabilizá-lo automaticamente.
Vamos imaginar uma situação prática: sua empresa teve um contrato de trabalho com um funcionário entre 2013 e 2014. Em 2015, esse colaborador move uma ação trabalhista. Um dos sócios se retira da empresa em 2017. A sentença sai apenas em 2020 e, ao iniciar a fase de execução, o juiz inclui o sócio retirante como responsável.
Se a dívida for anterior ao período societário desse sócio ou se a ação for ajuizada mais de dois anos após a saída, ele não pode ser responsabilizado. Apesar disso, é comum que juízos de primeiro grau acolham pedidos genéricos de desconsideração da personalidade jurídica com base apenas na alegação de que a empresa está inativa ou sem bens.
Por isso, é fundamental que o empresário ou contador mantenha registros claros e atualizados das alterações contratuais e esteja preparado para se defender nesses casos.
Na Justiça do Trabalho, passou-se a aplicar a Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica, conforme o artigo 50 do Código Civil. Essa teoria exige prova concreta de desvio de finalidade ou confusão patrimonial — ou seja, situações em que a empresa foi usada para fins ilegais ou houve mistura entre os bens da pessoa jurídica e dos sócios.
Segundo o advogado trabalhista Rodrigo Fortunato Goulart, turmas do Tribunal Superior do Trabalho tem decidido que a simples falta de pagamento de uma dívida trabalhista, ou a dissolução informal da empresa não justificam, por si só, a responsabilização dos sócios retirantes, especialmente quando não há prova de má-fé. Vejamos:
III - RECURSO DE REVISTA - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESVIO DE FINALIDADE. CONFUSÃO PATRIMONIAL. [...] Nos termos trazidos pelos §§ 1º e 2º do artigo 50 do CC, em quaisquer hipóteses é imprescindível que, para a desconsideração da personalidade jurídica, haja, além do prejuízo ao credor, o desvio de finalidade (uso abusivo ou fraudulento da sociedade) ou a confusão patrimonial (ausência de separação entre os bens da empresa e da pessoa física). No caso, a desconsideração da personalidade jurídica foi deferida unicamente por ausência de patrimônio das empresas para o pagamento da dívida, o que não se coaduna com os termos dos §§ 1º e 2º do art. 50 do Código Civil. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 1000235-60.2021.5 .02.0089, Relator Min. SERGIO PINTO MARTINS, Data de Julgamento: 07/02/2024, 8ª Turma, destaquei).
Ao registrar a saída de um sócio, garanta que a averbação seja feita imediatamente na Junta Comercial e que todos os atos societários estejam devidamente assinados e arquivados. O contador ou responsável só pode iniciar a contagem do prazo após a averbação oficial.
Ter clareza sobre processos em andamento e dívidas em aberto por meio de auditoria trabalhista ou due diligence permite à empresa avaliar riscos antes de qualquer alteração societária. Em operações de saída ou entrada de sócios, inclua cláusulas de responsabilidade civil e previsão de contingências.
Para evitar riscos futuros, evite movimentações financeiras entre contas pessoais e empresariais. Pagamentos de contas pessoais com dinheiro da empresa, transferências sem justificativa ou uso da empresa como “pessoa física” para negócios particulares podem caracterizar confusão patrimonial e abrir caminho para a desconsideração da personalidade jurídica.
Mesmo após uma sentença, a execução (cobrança da dívida) pode demorar. Segundo o advogado trabalhista Rodrigo Fortunato Goulart, é comum que sócios retirantes sejam indevidamente incluídos, especialmente quando não há defesa técnica elaborada por um profissional especializado. Estar atento ao andamento do processo e contar com assessoria jurídica evita prejuízos inesperados.
O cenário inverso também merece atenção: quando o ex-sócio praticou atos lesivos ou irregulares no período em que esteve na sociedade, a empresa e os sócios remanescentes podem ser responsabilizados solidariamente.
Por isso, é essencial que o distrato societário não seja apenas um ato formal, mas que envolva auditoria, levantamento de passivos e avaliação do impacto trabalhista da gestão anterior.
Em resumo, a responsabilidade do sócio retirante por dívidas trabalhistas é um tema técnico, mas de grande impacto prático. Muitos empresários são surpreendidos com execuções indevidas, enquanto ex-sócios enfrentam cobranças injustas anos depois de sua saída formal da empresa.
O segredo está na prevenção, na gestão jurídica do contrato social e no acompanhamento cuidadoso de processos judiciais. Saber o que a lei permite — e o que ela veda — protege não apenas o patrimônio dos sócios, mas a saúde jurídica da empresa como um todo.
Se sua empresa passa por alterações societárias, processos trabalhistas ou precisa entender seus riscos, busque orientação com um advogado trabalhista de sua confiança. Isso evita prejuízos e garante decisões estratégicas com base sólida.