Entenda os direitos da mulher que se sente mãe mesmo sem ter gerado biologicamente uma criança e os limites do Direito do Trabalho diante da maternidade afetiva
Bebês reborn são bonecos hiper-realistas que imitam com precisão as feições, o peso e até o cheiro de um recém-nascido. Embora sejam objetos artísticos, muitas mulheres criam vínculos profundos com esses bonecos, especialmente após traumas, perdas gestacionais ou infertilidade. Para elas, o bebê reborn se torna parte da família, como um filho.
Esse tipo de vínculo possui efeitos terapêuticos comprovados. Um exemplo emblemático é o caso da Reclamante Maira Campos Leite. Ao solicitar uma licença-maternidade após o nascimento simbólico de sua filha reborn "Olívia", a Reclamante alega ter sofrido escárnio e discriminação no ambiente de trabalho, o que motivou sua ação judicial com pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho (Processo n. 0000457-47.2025.5.05.0016).
Aliás, a maternidade afetiva já é reconhecida no Direito de Família. Jurisprudência e doutrina admitem a formação de laços parentais por meio do afeto, mesmo sem vínculo biológico. Casos de adoção socioafetiva, por exemplo, têm respaldo no Estatuto da Criança e do Adolescente e nas decisões dos tribunais superiores.
Além disso, a Constituição Federal protege o livre desenvolvimento da personalidade (art. 5º, X) e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). Esses princípios asseguram que cada indivíduo tenha liberdade para construir sua identidade afetiva e familiar.
Embora o Direito do Trabalho, tradicionalmente, reconheça a maternidade apenas nos casos de gravidez biológica ou adoção formal, novos arranjos familiares podem exigir novas interpretações jurídicas. Mas isso seria aplicado para mães de bebês reborn? Atualmente, não existe previsão na legislação trabalhista.
No processo em destaque, a Reclamante alega ter solicitado licença-maternidade de 120 dias e o pagamento do salário-família. A justificativa estava no vínculo emocional profundo com sua filha reborn.
A empresa, segundo o processo, teria negado os pedidos e exposto a funcionária ao ridículo, sugerindo que ela "precisava de um psiquiatra".
Ocorre, porém, esse tipo de comportamento empresarial pode ultrapassar o poder diretivo do empregador, pois viola a dignidade da trabalhadora e pode configurar abuso.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu art. 483, "d", prevê a possibilidade de rescisão indireta quando o empregador comete falta grave.
No caso a ser apreciado pela Justiça do Trabalho da Bahia, se comprovado o constrangimento moral reiterado ou ato discriminatório, estas condutas podem gerar a rescisão indireta e garantir à trabalhadora todos os direitos como se tivesse sido dispensada sem justa causa, como a liberação do FGTS (+ multa 40%) e a entrega das guias do seguro-desemprego.
A exposição vexatória podem ferir diretamente a integridade psíquica. Se a trabalhadora vier a sofrer abalo emocional grave, sentir-se desrespeitada como mulher, como mãe ou como ser humano, caberá à Justiça analisar o pedido de indenização por danos morais.
A ação trabalhista de número 0000457-47.2025.5.05.0016 foi proposta em Salvador-BA no mês de maio de 2025. Ainda em tramitação, esse processo atraiu a atenção de juristas e internautas, levantando reflexões sobre o papel do Direito do Trabalho ao caso.
A sociedade assiste, com expectativa, ao desfecho dessa demanda. Alguns enxergam na atitude da Reclamante um marco de coragem e luta por respeito às diferentes formas de amar e cuidar; outros, porém, como mero oportunismo.
A Justiça do Trabalho foi criada para equilibrar as relações capital/trabalho, por isso, é essencial que esse espaço democrático seja usado com responsabilidade, ética e bom senso.
Segundo advogado trabalhista Rodrigo Fortunato Goulart, se em qualquer processo, for caracterizado o jogo de oportunismo — pessoas que forçam situações, distorcem a realidade ou usam narrativas inverídicas apenas para tirar algum proveito financeiro — esse tipo de conduta pode ser coibida pelo Poder Judiciário com a aplicação de penalidades por litigância de má-fé.
Além de sobrecarregar a máquina pública, desvaloriza as verdadeiras causas trabalhistas — aquelas que envolvem exploração real, desrespeito aos direitos básicos e humilhações no ambiente de trabalho.
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